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Mariana Tavares

 

Rogers nasceu em Oak Park, Illinois, em 8 de janeiro de 1902, sendo educado numa família extremamente unida onde o trabalho duro e o cristianismo protestante eram reverenciados. Foi o quarto de seis filhos, e apesar de viver numa família muito fechada em si mesma, seus pais controlavam o comportamento dos filhos de uma maneira muito sutil e afetuosa, restrita socialmente, mas intelectualmente bastante estimulante (Hipólito, 1999).
Quando completou doze anos, seu pai objetivando afastar os filhos das influências “más” da vida urbana comprou uma propriedade rural (Rogers, 1987). Nesse ambiente desenvolveu um interesse apaixonado pelos métodos experimentais e, segundo afirma, nunca mais deixou de sentir uma atração e respeito cada vez maiores pela maneira cientifica de abordar um problema e desenvolver o conhecimento (Kinget e Rogers, 1977), Rogers inclinou-se naturalmente para trabalhos na área da agricultura chegando, em 1919, a matricular-se na Universidade de Wisconsin no curso de Agronomia. Posteriormente, envolve-se em meios evangélicos militantes e decide mudar para o curso de História com a intenção de dedicar-se a carreira eclesiástica.
No seu primeiro ano do curso, foi escolhido para participar de um Congresso Internacional da Federação Mundial de Estudantes Cristão, que nesse ano, 1922, ocorria na China. Nessa viagem, Rogers abandona parte de suas convicções religiosas:
Fui forçado a admitir e a compreender como é que pessoas sinceras e honestas podiam acreditar em doutrinas religiosas muito divergentes. Emancipei-me pela primeira vez da atitude religiosa dos meus pais e vi que já não os podia seguir (...) compreendi que foi nesse momento, mais do que em qualquer outro, que me tomei uma pessoa independente. (Rogers, 1987 p.19)       
Concluída sua graduação em História, em 1924 ele freqüenta o Seminário da União Teológica em Nova Iorque, conhecido por suas concepções liberais e ao mesmo tempo academicamente bem cotado (Hipólito, 1999). Lá Rogers tem contato com disciplinas do curso de Psicologia e decide transferir-se para o Teachers’ College da Universidade de Columbia para freqüentar o curso de psicologia clinica e psicopedagogia. Foi influenciado pela filosofia de Dewey e pela psicóloga Leta Hollingworth. Obteve seu grau de mestre em 1928 e doutor em 1931. Suas primeiras experiências clinicas e psicoterápicas ocorreram no Instituto de Aconselhamento Infantil  de Nova Iorque, de forte orientação psicanalítica. Rogers pode perceber uma clara incompatibilidade entre o pensamento freudiano e as idéias fortemente estatísticas do Teachers’ College (Hall, LINDZEY & CAMPBELL, 2000). Segundo Rogers: “nesse tempo tinha a impressão de viver em dois mundos diferentes e nunca os dois iriam se encontrar”(Rogers, 1987, p21)
Seu primeiro emprego foi no Centro de Observação e Orientação Infantil, onde fica durante doze anos, tendo chegado a ser diretor. Nos oito primeiros anos absorveu-se num trabalho diagnóstico e aplacamento de casos de crianças delinqüentes e desprovidas de qualquer assistência. Eram enviadas pelos tribunais e assistência social. Nesses anos, Rogers relata ter ficado profissionalmente bastante isolado e sua maior preocupação era tentar ser o mais eficaz possível em relação aos pacientes. Sua maior influencia na época era Otto Rank, um psicanalista que rompera com Freud. (Hall, LINDZEY & CAMPBELL, 2000). Questionando-se sobre a eficácia de seu método de trabalho, progressivamente Rogers abandona a orientação diretiva ou interpretativa e, passa a optar por uma perspectiva mais pragmática de escuta dos clientes (HIPÓLITO, 1999).
Sobre esse ponto Rogers relata:
Só  mais tarde é que me apercebi completamente - que é o próprio cliente que sabe aquilo de que sofre, qual a direção a tomar, quais problemas são cruciais, que experiências foram profundamente recalcadas. Comecei a compreender que, para fazer algo mais do que demonstrar minha própria clarividência e sabedoria, o melhor era deixar ao cliente a direção do movimento no processo terapêutico (1987, p 23-24)
Em 1939, Rogers escreveu seu primeiro livro, O Tratamento Clínico da Criança Problema1, no qual expõe o essencial de suas reflexões e pesquisas até o momento. O livro é bem aceito e motivou sua contratação como catedrático da Universidade do estado de Ohio, sendo sua responsabilidade a disciplina “Técnicas de Psicoterapia”. Em contato com os estudantes, Rogers pode perceber pela primeira vez que tinha elaborado uma perspectiva muito pessoal a partir de sua própria experiência. Sua abordagem terapêutica se centrava sobre a expressão, a auto-aceitação, a tomada de consciência e a relação terapêutica, em contraposição à análise do passado, à sugestão ou a interpretação. (HIPÓLITO, 1999)   
Em 1940, Rogers se depara com fortes reações contrárias as suas idéias quando expôs seu pensamento numa conferência na Universidade de Minnesota. Ele intitula-a “Novos conceitos em psicoterapia” e afirma que o alvo da nova terapia é ajudar o individuo a crescer de maneira que ele mesmo possa resolver suas dificuldades atuais e as que possam vir a aparecer de uma maneira muito mais integrada baseada numa tendência que o individuo possui para o crescimento, a saúde e a adaptação. Acrescenta a idéia de que a nova terapia deve dar ênfase aos aspectos emocionais, e não intelectuais, da situação, uma maior atenção aos elementos tais como aparecem no presente e, por fim, considera que a experiência terapêutica por si mesma como uma experiência de crescimento. Frente à singularidade de seu pensamento, Rogers decide dar esse dia, 11 de dezembro de 1940, como a data de nascimento da Terapia Centrada no Cliente. 
Rogers escreve o livro Psicoterapia e Consulta Psicológica2 (1942) onde faz um exame formal e sistematizado da sua abordagem da terapia. Segundo Hipólito (1999) os conceitos de “Aconselhamento” e “Psicoterapia” tornam-se cada vez mais equivalentes, bem como os de “Orientação Não Diretiva em Terapia” e “Terapia Centrada no Cliente”. Trata-se do primeiro livro em que um caso é transcrito na íntegra a partir das gravações em áudio.
O período de 1945 a 1957 é para Rogers muito rico em experiências o que resulta na publicação de uma vasta bibliografia, com destaque para a publicação do livro Terapia Centrada no Cliente (1951), que continha sua teoria formal sobre a terapia, sua teoria da personalidade e algumas pesquisas que corroboravam com sua abordagem.
Rogers obteve reconhecimento profissional sendo eleito presidente da Associação Americana de Psicologia (1946) e da Academia Americana de Psicoterapeutas (1956). Recebeu um prêmio da Associação Americana de Psicologia em 1956 por:
... ter desenvolvido um método original para descrever e analisar o processo terapêutico, por ter formulado uma teoria da psicoterapia e dos seus efeitos na personalidade e no comportamento, susceptível de ser testada, pela extensa e sistemática pesquisa para explicitar o valor do método e explorar e testar as implicações da teoria. (citado em HIPÓLITO, 1999)  
O foco da abordagem se desloca das técnicas às atitudes, ou seja, das técnicas para as atitudes de compreensão empática, de aceitação, de congruência do terapeuta, de confiança na potencialidade para a auto-realização e uma maior valorização das potencialidades da relação terapêutica.
Seu livro Tornar-se Pessoa3 (1961), não foi escrito apenas para terapeutas, mas para todas as pessoas interessadas em relações humanas. Vende mais de um milhão de cópias e explora a aplicação dos princípios da Terapia Centrada no Cliente em outros domínios humanos como a educação, as relações interpessoais, familiares e criatividade. Rogers aproxima sua abordagem de uma filosofia de vida, uma maneira de ser.
Apresenta sua concepção de aprendizagem no livro Liberdade para Aprender (1969), no qual propõe que os alunos aprendem melhor, são mais interessados e criativos quando os professores propiciam um clima humano e de facilitação. A partir de 1972, Rogers se dedica à intervenção e reflexão nas áreas sociais e política que resultam na elaboração do livro Poder Pessoal (1977). Seu empenho em áreas que extrapolam o campo da psicoterapia lhe rendeu o titulo de revolucionário social por Richard Farson (HIPÓLITO, 1999).
Em 1980, publica o livro Um Jeito de Ser, onde faz uma retrospectiva da evolução de seu pensamento e atividades profissionais o que refletiu nas mudanças de terminologia da sua obra:
Sorrio quando penso nos diversos rótulos que dei a esse tema no decorrer de minha carreira - Aconselhamento Não-Diretivo, Terapia Centrada no Cliente, Ensino Centrado no Aluno, Liderança Centrada no Grupo. Como os campos de aplicação cresceram em número e variedade, o rótulo "Abordagem Centrada na Pessoa" parece ser o mais adequado. (1983, p.38)
Assim, o termo Aconselhamento Não-Diretivo foi substituído por Abordagem Centrada na Pessoa, pois nesse momento Rogers não falava apenas de psicoterapia, mas sobre um ponto de vista, uma filosofia,um jeito de ser que se aplica a toda e qualquer situação onde se objetive o crescimento, seja de uma pessoa, de um grupo ou de uma comunidade.
Nos últimos anos de sua vida, Rogers empenha-se em grandes workshops transculturais, de esforço ela paz, de modo que foi indicado em 1987 ao prêmio Nobel da Paz, vindo a falecer pouco antes, aos 85 anos, ativo e perfeitamente lúcido. Desse modo, chega ao fim de um ciclo, que se iniciara na sua juventude dentro de uma visão religiosa estreita e se expandiu para a confiança inabalável num futuro melhor para a humanidade, não ignorando os momentos de dor e sofrimento que nos acompanham em nossas vidas.  
 
Rogers, por ele mesmo:
No livro Tornar-se Pessoa4 (1987) Rogers, expõe de modo bastante claro uma apresentação de si mesmo, como ele chegou ao pensamento que tem atualmente e a forma como se tornou quem ele é. Apresenta-se dessa forma, sobretudo, para evidenciar que a construção de seu pensamento, e conseqüentemente, de sua visão das relações humanas foi desenvolvida a partir da sua interpretação das experiências que vivenciou. Desse modo, posso afirmar que sua visão das relações humanas foi visceralmente sentida e observar esse fato ao longo de toda a sua obra. Rogers (1987) sintetiza sua aprendizagem nos seguintes pontos:
1. “Nas minhas relações com as pessoas descobri que não ajuda, a longo prazo, agir como se eu fosse alguma coisa que eu não sou.” (p. 28)
2. “Descobri que sou mais eficaz quando posso ouvir a mim mesmo aceitando-me, e quando posso ser eu mesmo... Julgo que aprendi isto com meus clientes, bem como através da minha experiência pessoal - não podemos mudar, não podemos afastar do que somos enquanto não aceitarmos profundamente o que somos.” (p.29)
3. “Atribuo um enorme valor ao fato de poder me permitir compreender uma outra pessoa.” (p.30)
4. “Verifiquei que me enriquece abrir canais através dos quais os outros possam comunicar os seus sentimentos, a sua particular percepção do mundo.” (p.31)
5. “É sempre altamente enriquecedor poder aceitar outra pessoa.” (p.32)
6. “Quanto mais aberto estou às realidades em mim e nos outros, menos me vejo procurando, a todo o custo, remediar as coisas.” (p.33)
7. “Posso ter confiança na minha experiência... quando sinto que uma atividade é boa e que vale a pena prossegui-la, devo prossegui-la.” (p.34)
8. “A apreciação dos outros não me serve de guia. Apenas uma pessoa pode saber que eu procedo com honestidade, com aplicação, com franqueza e com rigor, ou se o que faço é falso, defensivo e fútil. E essa pessoa sou eu mesmo.” (p.34-35)
9. “A experiência é para mim a autoridade suprema.” (p.35)
10. “Sinto-me satisfeito pela descoberta da ordem pela experiência... A investigação é um esforço persistente e disciplinado para conferir um sentido e uma ordenação aos fenômenos da experiência subjetiva.” (p.36)
11. “Os fatos são sempre amigos. O mínimo esclarecimento que consigamos obter, seja em que domínio for, aproxima-nos muito mais do que é a verdade.” (p.36-37)
12. “Aquilo que é mais pessoal é o que há de mais geral.” (p.37)
13. “A experiência mostrou-me que as pessoas têm, fundamentalmente, uma orientação positiva... Acabei por me convencer de que quanto mais um indivíduo é compreendido e aceito, maior tendência tem para abandonar as falsas defesas que empregou para enfrentar a vida, e para progredir num caminho construtivo.” (p.38)
14. “A vida, no que tem de melhor, é um processo que flui que se altera e onde nada está fixado.” (p.38)
Creio que essa síntese pontual que Rogers (1987) apresenta mostra claramente sua perspectiva e compreensão do modo como apreendeu e desenvolveu seu pensamento. Rogers diz ainda que não pode encorajar os outros a seguirem quaisquer crenças, princípios ou filosofia, pois ele é o próprio exemplo de uma pessoa que se absteve de segui-los aceitando apenas a sua própria interpretação dos fatos, segundo sua própria experiência. Rogers encoraja os novos terapeutas a se desenvolverem pautados na sua liberdade interior para que possam atingir uma interpretação significativa de suas próprias experiências. 
Referencias Bibliográficas:
 HALL, C., LINDZEY, G. & CAMPBELL, J. A Teoria de Carl Rogers Centrada na Pessoa. In: Teorias da Personalidade. Porto Alegre: Artes Médicas Sul. 2000. p.363-374.
HIPÓLITO, João. Biografia de Carl Rogers. Revista de Estudos Rogerianos "A Pessoa como Centro" Nº. 3 Maio/1999. Disponível em :http://www.rogeriana.com/biografia.htm. Acessado em 10 de Set. de 2008. 
ROGERS, C. R. & KINGET, G. M. Psicoterapia e Relações Humanas: teoria e prática da terapia não-diretiva. 2º Ed. Belo Horizonte: Interlivros, 1977. 
ROGERS, C. R. Tornar-se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
 

Carl Rogers - uma trajetória de vida inspiradora

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